Abhyasa e Vayragya - disciplina e desapego no Yoga
- Helena Borges
- 10 de dez. de 2023
- 3 min de leitura

Abhyasa e Vairagya, disciplina e desapego, são os pilares básicos do Yoga.
Disciplina é uma palavra que, em geral, nos remete a certa rigidez, a uma coisa meio militar e que, nos parâmetros de hoje, é mais uma coisa praticamente inalcançável (tipo o padrão de beleza).
Disciplina no Yoga é também essa disciplina do senso comum, de fazer o que deve ser feito para alcançar um objetivo que faça sentido para nós, mas não é apenas isso.
Desapego no Yoga é evitar o apego excessivo aos objetos, e quando dizemos objetos são as coisas materiais, mas também tudo aquilo que podemos observar e que está em constante mudança, ou seja; as coisas, as pessoas, as situações, experiências, emoções, pensamentos e inclusive nosso corpo e mente.
O desapego do Yoga é o desprender-se da identificação que temos com todos esses objetos externos à nós. Temos o direito de usufruir de todos esses objetos e o dever de cuidar deles (das coisas materiais, das relações com os outros, do nosso corpo-mente, etc.), mas evitando a confusão de achar que nossa identidade depende do que é externo e que está inevitavelmente em constante mudança.
E a disciplina do Yoga é procurar manter-se nesse não apego excessivo, nessa não identificação.
Então seguimos nessa caminhada da vida tentando conquistar a disciplina para alcançar objetivos e para além disso para não se apegar demais às coisas passageiras…
Parece exigir um esforço absurdo e ainda muito rígido. O Yoga associa a disciplina com o elemento Fogo, com o calor da Vontade. E nas práticas eu gosto de trazer posturas que realmente atiçam esse nosso fogo interno.
Posturas de soltura podemos relacionar ao desapego e gosto de dizer que não há pressa para chegar a lugar algum…
Então essa semana coloquei umas posturas na aula como uma brincadeira, para sairmos dessa imagem de seriedade de disciplina e desapego, pois a diversão tem que estar presente no caminho. Daí uma aluna me disse que na terapia ela trocou a palavra disciplina por ritmo. Faz muito sentido.
Disciplina é exatamente isso e, como o ritmo, muda, não é sempre o mesmo, não teria nem graça. O ritmo é constante, mas não linear.
Fica tão mais leve e gostoso pensar na disciplina como ritmo.
A disciplina é como uma dança, como a própria criação é uma dança, esse é o aspecto de Shiva Nataraja, ou Shiva dançarino, que vai transformando o Universo com sua dança.
Há algum tempo eu tinha muita dificuldade com Natarajasana, a postura do dançarino. Eu até evitava essa postura, primeiro porque estava com uma questão de quadril e ele não ficava feliz nela, também porque não tenho muita extensão de coluna então achava muito difícil, e ainda mais com o equilíbrio.
Então, por saber que estava com um bloqueio e essas coisas sempre tem um porque, me forcei a praticar Natarajasana, mas passei a incluir o joelho ao peito depois, como compensação pra minha coluna ficar feliz, e esticar a perna depois para fortalecer mais. Não é a uma das posturas que mais amo e mais me sinto bem, mas não importa, fico contente de ver que existe disciplina em mim para fazer não só o que gosto, pois assim é a vida, mas que encontrei um jeito de fazer que torna mais agradável e também com um pouquinho mais de desafio.
É importante nos desafiarmos por nós mesmos e conseguirmos, ainda que nessas pequenas coisas.
Além disso, percebi que meu pé não fica totalmente alinhado pra frente nas posturas em uma perna só, ele sempre fica apontando um pouco mais pro lado de fora e desapeguei de tentar buscar um alinhamento "perfeito".
Recentemente participei de um curso sobre neurociências do movimento, no qual nos foi apresentado estudos científicos que mostram que lesões e dores físicas, estão mais associadas à inatividade ou ao extrapolar seu limite, do que com exercícios feitos de forma “errada”, nosso corpo é muito funcional. Isso me fez pensar que sim, existe um alinhamento mais adequado nas posturas para que elas sejam mais eficientes, mas podemos ser bem mais livres nos movimentos do que no geral pensamos. A rigidez mental é o que mais nos impede de avançar.
Para fluir e dançar precisamos desapegar das formas rígidas.
Muitas das formas mentais rígidas que passam pelos nossos pensamentos nem sequer são nossas, foram se instalando nos nossos pensamentos e nós deixamos que ali ficassem…
É tão gostoso ser livre. Desapegar da ideia de que "tem que ter" disciplina e que "tem que ter" desapego. Deixar fluir.
O próprio desapego pode gerar apego, apego ao desapego. O Yoga nos aponta sempre para o caminho do meio.
Disciplina é fluidez, é fogo, mas também é água.
Será que podemos encontrar diversão nesse processo de se dar conta das formas mentais rígidas demais e se desprender delas?
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